terça-feira, 12 de junho de 2012

Quanto custa criar um cachorro?

(Click here for the English version)

É frequente as pessoas reclamarem com um criador devido a preço que ele pede por um cachorro. O argumento mais frequente é “se eu for ao criador X o cachorro fica-me muito mais barato”.

Infelizmente, as pessoas raramente se apercebem dos custos reais de criar uma ninhada de forma adequada.

Como um familiar meu pensava há uns anos atrás - “hmmm, isso é um excelente negócio… Vejamos, cada cadela tem X cachorros, 2 vezes por ano, a Y euros cada um… Isso é uma mina de ouro!” Até lhe explicar que não era bem assim…

Quanto custa criar uma ninhada


Façamos um pequeno exercício matemático. Vamos assumir uma raça de tamanho médio (com a qual estou mais familiarizada), e 6 cachorros por ninhada.


Os custos directos e quantificáveis de criação de uma ninhada são:
•    alimentação adequada e reforçada da mãe e dos cachorros,
•    cuidados higieno-sanitários da mãe e dos cachorros,
•    microchipagem dos cachorros,
•    procedimentos administrativos (registos),
•    material diverso (gamelas, brinquedos para estimular física e mentalmente os cachorros),
•    custo da monta.

Um cálculo de valores mínimos dá como custos gerais da ninhada:

Criação de uma ninhada                                                                   Custo (€) 
Alimentação mãe (2ª metade da gravidez + 2 meses pós-parto)                 200
Alimentação cachorros (até aos 3 meses)                                                200
Desparasitação mãe                                                                                30
Desparasitação cachorros                                                                        30
Vacinação Cachorros (primo-vacinação com 3 doses)                               200
Microchips                                                                                              90
Registos                                                                                           123.50*
Custos vários (brinquedos, etc.)                                                               50
Custo da monta                                                                                     500        
                                                                            Total                  1423.50
                                                       Custo por cachorro                   237.25
* Nas raças portuguesas, o valor reduz-se a metade; algumas destas raças ou variedades estão total ou parcialmente isentas destes custos


Estes valores dizem respeito a rações de qualidade média/alta, não necessariamente topos de gama, e consumíveis (brinquedos, etc.) de qualidade média. Foram estimados através de experiência pessoal e conversas com vários criadores de raças de médio porte.
Atenção que são uma estimativa dos preços que um criador estabelecido consegue obter, através de acordos com marcas de ração e médicos veterinários! Estão abaixo do preço de venda ao público da maior parte dos bens necessários!!
Uma pessoa que se limite a criar com a sua cadela de estimação, e que precise de recorrer a lojas para adquirir ração e a consultas em clínicas veterinárias para os tratamentos e vacinações irá, obviamente, incorrer em custos muito mais elevados!

O preço da cruza possivelmente é o valor mais difícil de calcular nesta estimativa, pois varia de criador para criador e de acordo com o mérito do macho escolhido; pode mesmo ser 2 a 3+ vezes mais elevado.

Além disso, estes valores dizem respeito a um mundo perfeito. Ou seja, em que o parto decorre sem problemas, não há necessidade de acompanhamento médico-veterinário ou de cesariana, não há problemas pós-parto, não é necessário criar à mão ou suplementar os cachorros, etc. Por exemplo, há raças que nas quais, em virtude da sua anatomia, a maioria dos cachorros tem de nascer por cesariana.
Todas estas situações irão agravar consideravelmente o custo da ninhada.


O custo da manutenção da mãe


Se a criação de cães fosse um negócio, então a venda de cachorros serviria para, no mínimo, cobrir os custos de manutenção da progenitora ao longo do resto do ano, certo? Vejamos de que valores estamos a falar:

Manutenção de 1 adulto ao longo de 1 ano                      Custo (€)
Alimentação                                                                         540
Vacinação                                                                              50
Desparasitação                                                                      20
Custos vários (trelas, coleiras, gamelas, etc.)                           50        
                                                                               Total     660
                                                         Custo por cachorro    110

Uma vez mais, estamos a falar de um mundo perfeito (que não existe!), em que a cadela não tem qualquer problema de saúde ao longo do ano.

O custo mínimo do cachorro



Ora bem, com base nos valores atrás indicados, podemos então calcular qual o custo mínimo de um cachorro criado com os cuidados básicos de alimentação e sanitários:

Custo mínimo de um cachorro                                      Custo (€)
Parte do cachorro na ninhada                                            237.25
Parte do cachorro na manutenção da mãe                          110.00 
                                                              Custo total        347.25

Muito abaixo dos valores que vários criadores pedem? Pois, só que estes valores dizem respeito a um mundo perfeito (sem emergências ao longo do ano e durante o parto e criação da ninhada) e a uma criação “de vão de escada”, em que nos limitamos a juntar uma cadela com um cão (pode ver mais sobre os tipos de criadores neste post e neste post). Naturalmente, nem sequer contemplam a possibilidade de o criador ter lucro (ou seja, poder viver da criação de cães)!

Vejamos agora o que NÃO incluem...

O que falta considerar…


Os custos acima discriminados:

•    NÃO incluem os custos de aquisição dos progenitores
Dependendo da raça – a sua raridade, o seu porte, a maior ou menor dificuldade de reprodução, os testes de saúde requeridos – e da qualidade do exemplar – o seu tipo, a sua ascendência, o seu potencial –, a aquisição de um potencial futuro reprodutor pode ser um investimento bastante dispendioso.

•    NÃO incluem os custos de avaliação de desempenho/qualidade dos progenitores (provas de morfologia e/ou trabalho)
Muitas pessoas pensam que, como apenas querem um cão para companhia, não precisam de se dirigir a um criador que participa em provas com os seus cães, ou que tem cães campeões de beleza ou de trabalho. Nada mais longe da verdade! A participação em eventos de morfologia, com a obtenção de resultados mínimos, é a única forma de se assegurar que os exemplares efectivamente se assemelham à raça a que pertencem. Por exemplo, conheço cães com pedigrees completíssimos cujo aspecto nada tem a ver com o típico da sua raça, fora o seu tamanho. Adicionalmente, como nestes eventos certos desvios de cáracter são penalizados (nomeadamente agressividade ou timidez excessivas), isto também permite uma maior confiança em que os animais terão um carácter no mínimo relativamente estável. Quanto à participação em provas de trabalho adequadas, nas raças a que se apliquem, tal permite assegurar que os cães continuam a exibir o comportamento típico da sua raça.
Participar nestes eventos não é barato, especialmente se for feito regularmente, mas é uma segurança adicional quanto à potencial qualidade dos exemplares criados.

•    NÃO incluem os custos de despistes de saúde ou de problemas genéticos
Sinceramente, se o criador lhe diz que não precisa de fazer despistes porque nunca viu nada de errado nos seus cães, fuja!! Já passámos há muito tempo a fase em que esta argumentação poderia funcionar.
Hoje em dia sabe-se que há doenças que só se manifestam em fases tardias da vida do animal, com consequências sérias para a sua qualidade de vida; outras que, por serem poligenéticas (devidas à acção de vários genes) precisam da combinação certa para se manifestarem; outras ainda em que o progenitor pode ser portador assintomático, mas quando é cruzado com outro portador origina cachorros afectados, etc.
Há algumas doenças para as quais nãos são conhecidas formas de despiste, e quanto a essas não se pode fazer nada, excepto estudar a fundo os pedigrees e evitar cruzar com indivíduos que se sabe ou suspeita estareem afectados.
Há outras doenças para as quais há formas de despiste mas não há testes genéticos, e como tal é preciso fazer exames de diagnóstico, uma ou mais vezes ao longo da vida do animal.
Há ainda algumas outras doenças para as quais já foi(foram) identificado(s) o(s) gene(s) responsável(eis) pela sua transmissão, pelo que é possível fazer o seu despiste, inclusive bastante cedo na vida do animal.
Claro que tudo isto tem custos. Por exemplo, um “simples” despiste de displasia de anca a um animal pode chegar a custar 300€. No Cão de Água Português, os exames normalmente requeridos para um exemplar desta raça podem chegar aos 800€ - tudo sem garantia que se venha a criar com o exemplar, caso não obtenha os resultados que se pretende nos testes.

•    NÃO incluem os custos de transporte até ao pai da ninhada
Um criador sério não irá cruzar apenas (nem sempre) com o macho que tem em casa. Ele irá procurar o macho mais adequado para a sua cadela, de forma a procurar obter os melhores cachorros possíveis, quer o cão esteja na rua ao lado, na outra ponta do país ou noutro país. Naturalmente, o transporte da cadela ao reprodutor, ou a recolha e transporte do seu sémen se a ninhada for feita por inseminação artificial, tem custos.

•    NÃO incluem problemas inesperados ao longo do ano
Qualquer pessoa que conviva com vários animais, ou mesmo com um único, sabe que, por muito cuidado que se tenha, há sempre acontecimentos inesperados – quer sejam feridas, infecções ou doenças – que têm de ser tratados adequadamente.
Nem incluem acasalamentos que, por qualquer razão, não originam cachorros, pelo que se perde essa época reprodutiva.


•    NÃO incluem os custos de manutenção dos restantes exemplares
Mesmo possuindo vários exemplares em idade reprodutiva, um criador responsável não irá criar com todos eles todos os anos, e muito menos em todos os cios. Irá criar quando encontrar uma combinação que ache que será benéfica para a raça e tiver casas adequadas onde colocar os cachorros. Isso significa que, em cada ano, ele terá alguns exemplares que não se irão reproduzir. Mas isso não significa que não tenham de ser tratados e alimentados tal e qual como qualquer outro!

•    NÃO incluem os custos do trabalho do criador
Se criar fosse efectivamente um negócio como qualquer outro, seria de esperar que o criador fosse compensado financeiramente pelo seu trabalho, como qualquer outro trabalhador, certo? E trabalho é coisa que não falta – tratar adequadamente dos animais, alimentá-los, mantê-los limpos e saudáveis, cuidar dos cachorros, providenciar estimulação física e mental aos adultos e aos cachorros… São horas e horas de trabalho semanal, frequentemente subtraídas ao tempo de descanso e familiar, e que raramente (se alguma vez!) são contabilizadas no cômputo geral.



O barato sai caro!


Viu acima os custos mínimos de criar um cão sem qualquer controlo sobre a sua qualidade. Indiquei em seguida alguns outros aspectos cruciais que contribuem para aumentar o preço dos cachorros criados – mas que também conduzem a sua morfologia, comportamento e saúde a padrões mais elevados, logo tornando-os muito mais prometedores.

Quando andar à procura de um cão e vir anúncios de cachorros da mesma raça à venda por 50€ ou por 500 € ou mais, pense bem no que estará a ser cortado no cachorro mais barato!
Lembre-se que o barato pode, a prazo, sair caro, quer a nível financeiro, quer emocional!


Carla Cruz
www.aradik.net


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12 comentários:

  1. ESTÁ FANTASTICO E BEM 99% REAL!
    WISEWYN COLLIES

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    1. Obrigada Sofia! :)
      Há aqui muita coisa que não está contabilizada, pois varia de caso para caso, mas espero que seja uma boa base de partida para que se perceba que não existe nada como um "cachorro gratuito".

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  2. Excelente Artigo Carla, parabéns!!!! Vou passar a dedicar-me à alimentação de pombos na via pública !! :D... Nunca contabilizei isto assim, de forma tão matemática!!
    Ana Marta DeCarvalho
    Handling with Style and Elegance

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    1. Obrigada Ana! :)
      Às vezes é preciso por os números puros e duros no papel para as pessoas perceberem os custos reais do cachorro que tentam obter gratuitamente.

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  3. Estes números são pura fantasia. Como é que se pode dizer " o barato sai caro" quando se trata de um ser vivo? No seu caso pessoal, o barato também saiu caro? O que aqui está dito não tem outra intenção, que não seja evitar a todo o custo a concorrência, por ser um negócio muito apelativo

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    1. Boa tarde caro "Anónimo",
      Naturalmente tem o direito à sua opinião.
      Quanto aos números serem pura fantasia, basta falar com vários criadores sérios que certamente lhe dirão, como me disseram a mim quando estava a fazer o levantamento de custos e viram a primeira versão deste texto, que estes valores estão subestimados, pois não incluem muito do que um criador responsável faz antes de criar - testes e despistes de saúde, avaliação morfológica e/ou funcional, etc. Estes valores apenas incluem os custos directos de uma criação de "vão de escada", mas com "consumíveis" (alimentação, cuidados sanitários) adequados e de qualidade.
      Quando a ser um negócio muito apelativo, possivelmente há quem o considere. Pela minha parte, crio quando penso que posso contribuir para o futuro da raça mas, principalmente, quando quero um cão para mim. Não crio por criar para vender, como alguns fazem, e efectivamente perco dinheiro em cada ninhada que faço. Se isto fosse um "negócio" como lhe chama, tinha bastante mais dinheiro se me desfizesse dos cães e das despesas que dão. Mas isto é um trabalho de paixão, não uma fonte de rendimento!

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  4. Adorei...fiz um recota e cola e fiz os meus calculos junto...os valores estão bem atuais, e as observações são muito corretas... poderia botar até mais como custo com a higiene dos caes (banhos) e do local (patios e partes internas)isso é muito bom para mostrar para as pessoas que querem um filhote o qto custa uma criação...hehehe com esse calculo até vou rever meus valores...

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    1. Obrigada! :)
      Sim, a estes valores há muito mais que poderiam (e deveriam!) ser adicionados. Estes são mesmo os números mínimos.
      Um cachorro bem criado, com os cuidados devidos, custa bastante mais. Mas é também nesses cuidados "extra" (indispensáveis para um criador sério e dedicado) que se vê a diferença na qualidade (carácter, saúde, tipo) do exemplar que se adquire!

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  5. Estes valores são pura fantasia. Servem apenas para dar a entender que é muito caro criar cães.

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    1. E é efectivamente caro criar *bem* um cão. Quanto a serem pura fantasia... além de estarem discriminados por categoria, basta ver os comentários aqui deixados por alguns dos criadores que leram o texto ou falar com qualquer criador sério, digno desse nome, dos que põe o bem-estar dos seus cães e cachorros à frente de qualquer "ideal" de lucro.

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  6. Muito bom o artigo, e abre os olhos a muita gente...No entanto hoje em dia é possivel criar uma ninhada com valores bem abaixo dos que disse (e bem) aqui. Muitos criadores já são eles a vacinar e desparasitar os cães, não pagando a veterinários, o que diminiui e muito o valor das vacinaçõe spor cachorro (compram eles os materiais e vacinas proprias, que sai muito mais barato), o custo de monta deixa de ser uma preocupação, visto que muitos são proprietários dos dois cães, e muitas vezes sai mesmo de "borla". Ração sou de acordo que seja uma de média/alta qualidade, visto que uma cadela grávida e a amamentar gasta MUITAS energias, logo precisa estar bem nutrida. Tal como os cachorros, que estão numa fase crucial do seu crescimento, e precisam de rações completas que os ajudem e não os prejudiquem em termos de saude. No entanto já existem rações "low.cost" que cumprem muito bem os valores nutricionais necessários para serem consideradas rações de qualidade, mas a um preço muito mais acessivel... No caso do microship, há criadores que, quando vendem o cão com LOP (sim já existem criadores que vendem cães sem LOP) são obrigados a colocar, devido ao registo do proprio cão, mas quando o cão não tem LOP, o criador pode optar por "deixaer" essa despesa para o futuro dono... ;)

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    1. Este artigo refere-se a custos médios de uma criação com um mínimo de qualidade... há muitas despesas que podem ser deixadas para o futuro dono, mas uma criação séria não abdica disso nem de certos outros procedimentos (como o LOP/RI). Mas quando se corta em algumas coisas, eventualmente isso manifesta-se noutras... Nomeadamente no que diz respeito à saúde...
      Legalmente, a vacinação e desparasitação são actos médico-veterinários e devem ser efectuados por um profissional devidamente acreditado. Os custos aqui estimados não são custos "de consulta", mas sim baseados em criadores que têm acordos com veterinários que se deslocam às instalações, normalmente bem abaixo dos custos em consultório.
      No que diz respeito às rações low-cost (e estas estimativas dizem respeito a rações "medium-a-high-cost"), o baixo custo implica uma menor qualidade, e normalmente acaba por se manifestar mais tarde em problemas de desenvolvimento e/ou de boa saúde geral.
      No que diz respeito ao chip, e apesar de os valores aqui indicados não dizerem necessariamente respeito aos meus custos de criação, mas sim uma "aproximação" geral a uma criação de cães de médio porte independentemente da raça, para mim essa questão não se coloca e não abdico dela em qualquer estimativa de custos. Qualquer cão que saia de minha casa sai já microchipado, pois caso um dia haja alguma coisa, se não se conseguir encontrar o dono, pelo menos a mim encontram-me.
      Quanto ao custo da monta, uma criação com objectivos direccionados para a melhoria e evolução da raça nem sempre usa exclusivamente o cão que tem em casa, mas sim analisa situação a situação qual o melhor complemento para a sua cadela, esteja em sua casa ou noutro sítio...
      Ou seja, as estimativas aqui apresentadas não dizem respeito a uma procura de minimização de custos, mas a uma criação com um mínimo de qualidade de saúde, mesmo que com progenitores não avaliados quanto ao seu potencial morfológico/de trabalho...

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